Total de visualizações de página

terça-feira, 23 de outubro de 2012

O que e para quem preservar?*

     O tempo é o senhor de todas as coisas, mas cabe àqueles capazes de transformar o espaço em que vivem a grande responsabilidade de servirem como guardiões da memória. Todos, indiferentes a diversidade cultural existente, tem um grande compromisso consigo mesmo. Não existe nada que possa provar que a nossa geração é melhor do que as que nos antecederam.
 
     Não se trata de nenhum modo afirmar que tudo deva ser preservado, porque se tudo fosse preservado não haveria lugar suficiente, nas casas ou nas propriedades. Em algum momento seriamos sufocados pelo excesso das coisas em desuso. Sentiríamos como que se vivêssemos num lugar esquecido no tempo. Trata-se efetivamente é de preservar alguns exemplares, algumas formas arquitetônicas, alguns lugares de memória, algumas relíquias. Bens móveis ou imóveis, bens que podem ser tocados ou que tocam a gente por seu significado. Bens  que fazem parte de uma memória coletiva, precisavam de severa avaliação. 
 
     Principalmente nas décadas de 1970 e 1980, foram sendo demolidas casas e casarões, queimados documentos e fotografias, o que de alguma forma não representasse o poder do século XX, provenientes de uma ideologia consumista e de abrangência mundial. Junto com esta mudança ideológicas, foram-se muitos resquícios que ligavam as pessoas às suas origens, que as faziam diferentes de outras existentes em outros lugares.
 
     Por isso é importante preservar alguns resquícios do passado. Porque todo o poder econômico gerado nesta terra é fruto de muito trabalho, fé e determinação, aceitemos isso, ou não, isso faz parte da nossa história. Foi um esforço contínuo, geração após geração, o que deve ser motivo de orgulho e não de vergonha.
 
     Preservar significa  manter, conservar e dar significados, tornar útil. Podemos exemplificar com a questão dos imóveis. Existem inúmeras formas de manter características históricas e ao mesmo tempo usá-los de forma moderna e inteligente. Existem lugares em nosso país, onde o próprio poder público incentiva que se preserve ao menos  as fachadas, podendo construir por trás delas espaços modernos e arrojados. Existem lugares, onde o poder público auxilia através da isenção parcial de impostos às construções modernas, feitas com características arquitetônicas específicas de uma época.
 
     A preservação pode acontecer no todo ou em partes, condizendo com as condições estruturais, quando bem conservadas ou em estado de ruína. Sendo viável, e um imóvel de importância comum, sem a menor dúvida, recomendasse o restauro. Não sendo viável, recomendasse a conservação, a manutenção e a troca das partes danificadas ou que apresentam perigo de perda total. Com toda a tecnologia que dispomos é possível fazer as mais variadas formas nos mesmos moldes que as originais. É possível trocar a fiação de luz, o encanamento, controlar as infiltrações, trocar a cobertura ou forro, pintar. Sem com isso descaracterizar ou demolir um lugar de memória. O que deve ser considerado não é o valor a ser investido, mas o valor que um determinado imóvel tem para população.
 
     Muitas vezes faltam espaços para instalação dos arquivos históricos, públicos e/ou particulares, de museus, memoriais, de salas de leitura e pesquisa, de comunicação via internet, de salas para cursos, palestras, apresentações, de espaços para atividades culturais, educacionais ou sociais, locais para informações turísticas, entre tantas outras coisas. Por isso, quando existe a disposição de um imóvel que é referência para a história de um lugar, é preciso avaliar coletivamente.
 
     É preciso organizar um conselho para os bens culturais, formá-lo com profissionais capacitados e atuantes em diversas áreas do conhecimento. É preciso, mais que ouvir,  porque às vezes, aos olhos e de alguns ou da maioria, não faz sentido preservar um determinado espaço, por mais significativo que seja para a história de um determinado lugar. É preciso discutir, elencar os prós e os contra, buscar informações sobre os possíveis usos, dar significância, buscar auxílio financeiro para a conservação junto aos órgãos competentes e quando possível torná-los uma forma de investimento. O que não se pode é ficar indiferente.
*Texto publicado pelo Jornal O Florense, 19.10.2012,
escrito pela professora de História, pesquisadora e escritora Gissely Lovatto Vailatti.

Nenhum comentário: